20/11/2016

Facto #46

Há dias em que me sinto tão sozinha, tão desamparada e tão "sem-objectivos", que dou por mim a pensar no quão triste e miserável a minha vida é. E pensar assim ainda me deita mais abaixo.

15/11/2016

O Nome do Vento - Patrick Rothfuss

Sinopse: Da infância como membro de uma família unida de nómadas Edema Ruh até à provação dos primeiros dias como aluno de magia numa universidade prestigiada, o humilde estalajadeiro Kvothe relata a história de como um rapaz desfavorecido pelo destino se torna um herói, um bardo, um mago e uma lenda. O primeiro romance de Rothfuss lança uma trilogia relatando não apenas a história da Humanidade, mas também a história de um mundo ameaçado por um mal cuja existência nega de forma desesperada. O autor explora o desenvolvimento de uma personalidade enquanto examina a relação entre a lenda e a sua verdade, a verdade que reside no coração das histórias. Contada de forma elegante e enriquecida com vislumbres de histórias futuras, esta "autobiografia" de um herói rica em detalhes é altamente recomendada para bibliotecas de qualquer tamanho.

Este livro foi das melhores coisas que me veio parar às mãos. Foi uma supresa fantástica e um verdadeiro deleite, que me proporcionou horas muito, mas muito bem passadas. É um livro brilhante, maravilhoso e tão cativante, que me deixou completamente rendida.
Na minha opinião, prima pela originalidade, não só pela história, mas, também, pela forma como está escrito. O livro - ou melhor, a trilogia - é a história do protagonista, Kvothe. Portanto, lemos o protagonista a contar a sua história. Kvothe conta-a a um cronista, com a condição de que precisará de três dias para tal. Este primeiro livro é o primeiro dia em que Kvothe conta a sua história. Cada livro é um dia, portanto - três dias, três livros. Um dia em que é contada uma história cheia de aventuras, de peripécias, de magia, de música, de conquistas e de perdas, de amor e de amizade, de aprendizagens e de fracassos; uma história em que nos são apresentadas variadíssimas personagens e locais; e tudo descrito de uma forma tão rica que só nos faz ansiar por mais e que nos maravilha por completo. Bem, pelo menos comigo foi assim.
Pode parecer estranho que a história de um livro inteiro se desenrole num só dia. Mas, na verdade, não é necessariamente assim.
Começámos com uma narrativa escrita na terceira pessoa, em que nos é apresentado um estalajadeiro misterioso e algo melancólico em relação à vida, que dá pelo falso nome de Kote. Experienciámos um pouco o seu quotidiano e conhecemos algumas coisas daquele mundo. Entretanto, conhecemos também o Cronista, até que, um dia, ambas as personagens se encontram. E é aí que a história do protagonista nos começa a ser contada. E, aí, a narrativa altera-se, passando para primeira pessoa. A partir daí, o livro desenrola-se tão naturalmente, que quase nos esquecemos que aquela é uma história dentro de uma história. Como que um livro dentro de outro livro. E, de vez em quando, a história que Kvothe nos conta é interrompida para regressarmos ao presente: ao mesmo dia em que esta começou a ser contada, e ao mesmo local - a estalagem -, onde Kvothe e o Cronista se encontram. Num momento podemos estar a ler a história de Kvothe, e, no outro, podemos, de repente, regressar ao momento presente. Podemos estar tão embrenhados na história, que é como se precisássemos de um momento para retomar o fôlego. Esses interlúdios funcionavam mesmo assim, como uma espécie de "abanão mental" para regressarmos à realidade - não à nossa realidade, como é óbvio, mas à "realidade" do mundo do livro - ou como uma tomada de fôlego; como se ler a história de Kvothe nos fizesse mergulhar literalmente e fossem necessários esses interlúdios para virmos à superfície e recuperarmos, pararmos um pouco. Foi esta a sensação que tive.
Depois, para além desta forma tão brutal como o livro está organizado, temos a história em si. E que história. Kvothe, para começar, é um artista. Faz parte de uma trupe que corre o mundo para entreter as povoações através do teatro e da música, e isto, no início, foi suficiente para me conquistar, porque gostei imenso da ideia. Para além disso, é uma personagem super curiosa e inteligente. E tão querida - entrou no meu top de personagens favoritas, definitavamente. Adorei mesmo este personagem. Isto porque adoro este tipo de livro em que conhecemos o protagonista desde criança e vamos seguindo a sua vida. Porque passámos a conhecê-lo tão bem, demasiado bem, que é como se, de certa forma, "crescêssemos juntos". Já me tinha acontecido isto com outra trilogia - a Trilogia do Elfo Negro -, e também o protagonista desta é uma das minhas personagens favoritas da literatura.
Mas, adiante. Não quero, de forma alguma, contar a história. Apenas dizer que começámos com uma vida de nómada e de artista numa famosa trupe e passámos para uma outra completamente diferente, de fugitivo, ladrão e sem-abrigo numa cidade que o despreza. E isto por causa da reviravolta que muda a vida do protagonista por completo, bem como a sua visão do mundo, algo que o assombrará para sempre, conduzindo-o a uma busca incessante por respostas que se mantém ao longo de todo o livro. Disto, passámos para uma outra vida, de um estudante numa universidade, e, depois, de um aventureiro que resolveu seguir uma pista sobre o acontecimento que marcou a sua infância e mudou a sua vida. Ao longo do caminho, cruzámo-nos com as mais variadas personagens, umas que podemos vir a adorar, mas outras que nem tanto, e explorámos diversos lugares. Mas, em todo o caso, há sempre dois grandes elementos em comum: magia e música. A magia pode estar presente em muitos livros do género, mas nunca da forma como nos é apresentada neste em específico. Porque a magia até tem outro nome neste mundo: simpatia. Completamente engraçado. E, quanto à música, bem, foi uma surpresa e tanto. Acho que nunca tinha lido um livro em que a música estivesse tão presente, especialmente num livro de fantasia. Podem haver livros de fantasia com canções e afins - Senhor dos Anéis, por exemplo -, mas nada quando comparado com este aqui. Até a forma como o autor fala sobre música é...diferente. Nota-se o quanto é importante para o protagonista. É-nos descrita como se fosse algo quase palpável. Algo imprescindível na sua vida. E Kvothe toca alaúde...o que poderia ser mais fofo? E um dos locais que mais adorei no livro - que foi onde se desenrolaram algumas das cenas de que mais gostei também - foi um bar, próximo da universidade, onde se juntavam artistas que partilhavam a sua música. Acho que foi uma ideia que resultou espantosamente bem. Porque este não é o típico livro de fantasia em que o protagonista parte numa demanda e percorre o mundo. Embora também percorra parte do mundo, existem estes aspectos - a universidade, as noites num bar - tão próprios da nossa realidade. E eu adorei esta espécie de junção dos dois mundos.
E, como não podia deixar de ser, há que destacar a escrita do autor, que é sublime. Para além de o livro ser super bem escrito e tão rico em detalhes, Rothfuss escreve coisas que só consigo classificar como lindas. Deixo-vos, aqui, os meus trechos favoritos:

Quando somos crianças, raramente pensamos no futuro. Esta inocência deixa-nos livres para nos divertirmos como poucos adultos conseguirão. O dia em que nos preocupamos com o futuro é também o dia em que deixamos a infância para trás.

(...) o Outono é a melhor altura para arrancar as raízes de qualquer coisa de que nos queiramos livrar de vez. (...) "Nos meses de Primavera, as coisas estão demasiado cheias de vida. No Verão, estão demasiado fortes e não se deixam ir. Já no Outono..." (...) O Outono é a altura certa. No Outono, tudo está cansado e pronto para morrer.

Saiam nos primeiros dias de Inverno, depois da primeira queda de temperatura da estação. Encontrem uma poça de água coberta por uma camada de gelo, fresco e recente, transparente como vidro. Perto do limiar da poça, o gelo conseguirá suportar o vosso peso. Deslizem para o interior. Mais ainda. Eventualmente, encontrarão um local onde a superfície não consegue suportar-vos. Aí, sentirão o que eu senti. O gelo fractura-se sob os vossos pés. Olhem para baixo e vejam as linhas brancas espalhando-se sobre o gelo como teias de aranha loucas e elaboradas. O silêncio é perfeito, mas conseguem sentir as súbitas vibrações agudas que se erguem a partir das plantas dos pés.
Foi isto que aconteceu quando Denna me sorriu. Não pretendo dizer que me senti como se o gelo estivesse prestes a ceder sob os meus pés. Não. Senti-me como o próprio gelo, fracturado, com rachas estendendo-se desde o local onde tocou o meu peito. Apenas me mantive inteiro porque os meus mil pedaços se ajustavam uns aos outros. Se me movesse, receava desfazer-me.
(Kvothe é um romântico e também o adorei por isso.)

Rendi-me completamente a esta história e fiquei mesmo apaixonada por ela. Considero este livro uma leitura obrigatória para fãs de fantasia. Foi dos melhores que já li até hoje e estou mesmo ansiosa por viver o segundo dia na estalagem, para ouvir Kvothe a contar novas histórias sobre si próprio. Um livro maravilhoso, não apenas pela história por si só, mas também pela forma como está escrito, em termos de organização e em termos da escrita em si. Recomendo vivamente.

13/11/2016

Em sequência do post anterior...

Resolvi deixar de pensar tanto no futuro quando isso só me deita abaixo. Afinal de contas, é sempre quando decido levar as coisas na desportiva e viver um dia de cada vez que tudo começa a melhorar e que a vida me surpreende. Posso vir a desiludir-me, no final. Mas, enquanto o "final" não chega, mais vale não pensar nisso. Mais vale deixar as coisas fluir e viver o presente. Se o presente me deixa feliz, mais vale ser feliz. Ser feliz agora. Sem pensar no futuro, mas manter, no fundo, uma leve centelha de esperança de que tudo irá correr bem. 
Só espero conseguir manter esse pensamento. Mas, mais do que isso, espero que não venha a dar-me mal.
Em todo o caso, ainda bem que existem pessoas que me fazem pensar assim e que me fazem tão bem. Se bem que, contudo, isto não deixe de ter a sua ironia...mas mais não posso dizer.

06/11/2016

Facto #45

Sinto-me completamente estúpida e ridícula por ficar tão em baixo e chorar que me farto por algo que ainda nem sequer aconteceu e que pode até nem vir a acontecer. Mas, neste caso em concreto, a probabilidade de esse "algo" acontecer é tão grande, que é como se eu já me estivesse a preparar para isso.
Tornei-me numa pessoa mais positiva, que, para além de tentar ver sempre um lado positivo em tudo, costuma pensar positivo, pensar que as coisas vão correr bem. No entanto, há certos casos - como este caso em concreto - em que parece não valer a pena pensar positivo. Porque, de tanto se pensar positivo, podemos vir a iludir-nos. E, depois, se acontece aquilo que mais temíamos, a decepção é ainda maior.

05/11/2016

Escrito por mim #8

A noite estava repleta de estrelas, e apenas algumas nuvens dispersas cruzavam o céu negro. Uma grande meia-lua observava-nos, como um olho branco semicerrado, e conferia um brilho prateado a tudo o que era capaz de alcançar. O vento de Inverno não se fazia sentir, tornando a noite numa das mais agradáveis até então, mas o ar não deixava de estar gelado. O meu rosto e as mãos estavam frios e nuvens de vapor formavam-se de todas as vezes que expirava o ar. No entanto, a felicidade de estar a voar, sobretudo ao lado dele, e a sensação de liberdade que aquele acto me conferia deixavam-me num estado de leveza tal, que era como se nada me pudesse preocupar. Na verdade, qualquer outro pensamento que pudesse ter não chegava sequer a formar-se na minha mente, desvanecendo-se como pó.
Lentamente, deixámos o campus e sobrevoámos a cidade. Estava coberta de branco e envolta numa anormal quietude. As ruas estavam iluminadas pelos candeeiros que funcionavam por meio de magia, mas não se via ninguém a pé. A cidade ocupava-se de tarefas do quotidiano ou repousava no mundo dos sonhos, refugiada num lar de calor e de conforto e protegida do frio do Inverno e da escuridão da noite, completamente alheia às duas almas que a sobrevoavam, fascinadas com o que viam, como se pertencessem a uma outra realidade e estivessem naquela apenas por passagem, a observá-la pela primeira vez. Flutuámos sobre a cidade junto aos edifícios mais altos, tão silenciosos que nos convencemos de que ninguém daria por nós. E tal parecia confirmar-se a cada segundo que passava, como se sentíssemos a própria cidade a dormir debaixo de nós enquanto voávamos. Era como se, debaixo de nós e a envolver toda a cidade, estivesse um manto invisível, a cobri-la com silêncio e com sossego, a impregná-la com um tipo de magia que a fazia dormir e evitar que olhasse para o céu e se deparasse com aquelas duas almas. Senti-me como uma espectadora, uma viajante, alguém que não tinha acesso àquele lugar. Como se, mais do que um manto invisível, existisse também uma espécie de redoma a cobrir a cidade e a separá-la de mim, a impedir que eu e ela, entidades pertencentes a dois mundos diferentes, tivéssemos qualquer contacto.
Durante todo o passeio, eu e ele não trocámos uma palavra, de tão absortos e deslumbrados com o que se estendia por baixo de nós e com a incrível sensação de voar, especialmente em boa companhia. Depois da cidade, sobrevoámos os seus limites. As colinas e as pequenas vilas que se espalhavam sobre elas, também adormecidas e cobertas de branco. Os bosques e as estradas que as separavam e as florestas mais densas e com as árvores mais altas, pelas quais deixei a minha mão aberta perpassar e sentir as suas folhas, que persistiam em pleno Inverno. Os ribeiros que as cruzavam aqui e ali e os sopés de gigantescas e imponentes montanhas rochosas que se erguiam em direcção ao céu. Tudo tão silencioso, que parecia inacessível e quase irreal, mas que, ao mesmo tempo, me deixava a imaginar uma vida de aventuras a percorrer tais cenários.
Elevámo-nos de encontro às nuvens antes de descermos a pique para o oceano banhado a prata pela lua, e aí apercebi-me do quão alto era capaz de voar e de como isso não me assustava ou preocupava, desde que o quisesse e estivesse confiante. Tal como tudo o resto, o mar encontrava-se calmo, e a canção imparável causada pela suave ondulação tranquilizava-me ainda mais. Aproximei-me o suficiente para inspirar aquele odor salgado e característico e para passar as pontas dos dedos ao de leve pela água, que rapidamente recolhi devido à diferença de temperatura. Quando as luzes da cidade, ao fundo, se tornaram demasiado próximas, tornámos a ascender.
Atravessámos as nuvens, uma e outra vez, subindo e descendo no ar somente para passarmos, uma vez mais, por aquela camada de vapor de água que se assemelhava ao mais fofo algodão. Por vezes, enquanto subia, dava meia-volta, ficando de olhos postos no céu com as suas inúmeras estrelas e vendo-as depois a afastarem-se assim que descia e a serem-me retiradas do campo de visão quando atravessava uma nuvem. Quando me cansei de as furar, permiti-me rodopiar no ar ou flutuar de barriga para cima, como tanto gostava de fazer quando me encontrava no oceano. Observava o céu estrelado ou a paisagem lá do alto, ao mesmo tempo que, dentro de mim, sentia a felicidade pura de uma criança.
A certa altura, senti-o atrás de mim, e deixei-me cair ao seu encontro, de costas e lentamente. Sentei-me, de costas para ele, na parte dianteira da vassoura, que ele me cedeu assim que me vira a aproximar-se. Não o fizera devido ao cansaço; o misto de sensações – felicidade, alegria, divertimento, leveza, liberdade – que crescia a cada segundo dentro de mim impedia que qualquer forma de cansaço se manifestasse. Fizera-o para estar mais próxima dele, como que para partilhar, com ele, aquelas sensações. Mesmo que tal não fizesse sentido algum.
Uma das suas mãos continuava a segurar o cabo da vassoura, para poder conduzi-la. Agora com o peso de dois corpos, optou por conduzir a vassoura num voo lento e em frente, sem um destino em particular. Continuávamos sobre o oceano, qual manto de veludo negro ondulante, com a cidade à nossa frente, cujas construções subiam no espaço como uma escadaria e eram intercaladas por minúsculos pontos de luz quente e suave, que faziam lembrar pirilampos. O outro braço dele rodeou-me o ombro e a parte da frente do meu corpo, ficando a sua mão pousada no meu ombro contrário. Assentou o queixo nesse meu mesmo ombro, ao mesmo tempo que me puxava mais para perto de si, lenta e gentilmente. As minhas costas ficaram contra o seu peito. Senti o seu calor, suave e reconfortante, a ser-me transferido, bem como a sua respiração junto ao meu pescoço. O coração martelava-se-me fortemente no peito, mas um sorriso de felicidade e de deleite desenhou-se sem esforço no meu rosto, como que num gesto involuntário. Naquele momento, senti-me feliz, protegida e invencível, como se não houvesse mal algum no mundo capaz de me magoar, como se tudo fosse possível. E só quis que tudo aquilo – eu e ele abraçados em pleno ar, sobre o oceano, com a cidade iluminada à nossa frente, envolvidos por uma bolha de felicidade e alheios ao resto do mundo – durasse para sempre.

Obs.: a música Walking in the Air, dos Nightwish, para além de absolutamente linda, foi uma grande fonte de inspiração para este texto.